15.3.14

Analgésico

Enquanto nossas carnes se chocam com alguma ternura, sinto sua perna direita tremer uma vez.

Puxo teu cabelo e com a outra mão aperto tua bunda, que agora me é o horizonte.

Com o nariz apontando pra cima, você deixa escapar um gemido abafado. Nunca estive tão dentro de você.

Teu cheiro doce flutua no ar.

Vejo a nuca e uma longa gota de suor escorre por ela.

O Sol invade pela janela e a luz gruda no teu corpo.

De leve, com a ponta dos dedos, percorro a cordilheira que é sua coluna.

Com uma caneta que não existe, ligo com retas todas as pintas das suas costas.

A gente se consome num silêncio acalentador. Não existe a necessidade pro afago dito. Nossos sexos nos bastam.

O relógio pregado na parede. Os ponteiros no chão. Outro gemido. Agora mais alto, mais de dentro.

Enquanto te preencho, o vazio no meu peito também se enche.

Aquela minha dor não existe mais. Você é meu analgésico.

Num gozo sem anestesia, despenco sedado na cama.

Você ri, louca.

E monta no meu pau, ainda duro. Te sinto quente e mais toda aquela umidade.

Gosto de sentir cada um dos teus joelhos apertando minhas costelas trincadas.

Está na hora de outra dose. Você me cuida com zelo e dedicação.


Você é minha médica. Minha cura e minha doença.

E toda essa vida?

Que acontece meio morta, dentro das casas.

A foda abafada. No quarto do lado. Pro marido não perceber.
A punheta sofrida. No banheiro frio. Pelos e gotas de mijo por todo canto.

Sangue na rua. O asfalto ferve.

A água quente saindo da torneira fria. O videogame ligado, a criança sorrindo. Ela perdeu tão pouco ainda.

E as brigas. As brigas. As brigas.
O murro na parede. O roxo nas falanges.
Ela trancada no quarto. Ela trancada no banheiro. Ela chorando no banheiro. Ela se fodendo no banheiro.

O cachorro monta a cadela no cio. Os dois com a língua pra fora. A casinha dele é de plástico, cinza. O guardinha, ao fundo, ajeita o saco na cueca. A grama já não cresce direito. É terra e poeira no ar.

A TV ligada e a gente esquece quem é. A gente esquece o que tinha pra falar. A gente esquece que tinha que trepar. A gente esquece que tinha que viver.

Dentro do carro, a mão dentro do sutiã. O seio tem aquela textura mais macia de pele. A mão dentro da calcinha. E os dois dedos mais sortudos. Pau duro e o jeans fica apertado. Quem passa por eles, inveja.

No armário, não tem comida. Na geladeira, não tem bebida. Não tem mais nada.

O sol a pino. O corredor desliza no piche preto. A camiseta molhada grudada no corpo. O rosto vermelho e grande.

A louça na pia fede. O gato fede. O tapete fede. A água fede.


Uma parede de som e cheiro. Eu atravesso. E tem toda essa vida aqui fora.