17.4.20

R. F.

Viver não é fácil. Na maioria das vezes, insuportável. Mas a gente segue em frente. Tomados por uma força interna invisível, incontrolável quase.

O moleque tá ali, pendurado no topo da escada. A mão suada, escorregando do corrimão, o outro braço estendido. Pelos cálculos, largar os dedos do ferro frio é morrer. Não é a primeira vez que ele tenta aquilo.

Ficar sozinho é melhor que em bando. Ninguém ali entende isso. E machuca. Não tem encaixe, não tem desculpa pra não ser igual. Mas os rios internos correm. E correm. E quem condena os meandros de cada um?

Na escola, a estranheza aumenta. Segura no naco de madeira, sente a porosidade úmida. Respira essa cerca podre. Uma cerca que você quebrou. E jogou cada cotoco nos amigos. Foi ridículo. Aí você ganhou, com 8 anos, o concurso de melhor poesia em toda a escola

Mas isso é nada. É só mais uma prova da deformidade.

Aquele livro cinza escorrega na sua frente. E, cada frase seca, cada sangue escrito, encaixa no quebra-cabeça com peça faltando que é você.

Toda palavra ausente, cada ponto final insistente. A aridez. A vontade de ser menos. De sufocar a imaginação e você se inunda em cada parágrafo.

Como que a violência pode ser tão bonita? Como que cada facada faz sentido?  Cicatrizes abertas, cutucadas pra nunca sarar.

Engasga no respiro de cada segundo.  E pensa: Rubem tava certo. A gente é fudido demais.