2.4.20

Púrpura

A noite desceu seu véu escuro. A avenida vazia, o asfalto frio. Pele que voa ao redor, sufoca. Num labirinto de ruas desocupadas, um enxame de motos. Pequenos pedidos aflitos de contato.

O medo paralisa, apenas o suficiente pra se sentir completamente sozinho. A cada tosse, uma outra paranoia. Mas crianças continuam nascendo, um fio de esperança se renova no prosaico.

O sangue nem tem mais a mesma cor. Ralo e púrpura. Um corte pra sentir o rio da vida. Tudo seco, nesse ar sem gente.

A piada é continuar respirando. Não tem professor, não tem ídolo, todos caíram. O brilho da lua no teu rosto, o olhar encharcado, a poesia muda de tempos desesperados.

Lacunas de humanidade, no oco do peito, um músculo se debate. Peixe fora da água, num mar que recua.

Oi pra ninguém. E o eco. Vontades vagas de qualquer coisa, que não isso. Que não esse agora.

Altares cintilantes lustrados com fé cega. Cada cipó de salvação é cobra disfarçada. Espanando a verdade pra qualquer canto desbotado do tapete.

Estrelas devoram planetas, a luz faz curva. E o teto do quarto continua descascando.

Sem guarda-chuva pra tempestade, pensando em todas promessas que não se cumpriram, em todos os sonhos que evaporaram.

Crepúsculo cada vez mais escuro. A ironia de viver e não matar. Ou apenas viver. O oráculo mudo. A gente que dança com a música. Que ainda dança. Que ainda canta.

Turbulências diárias. Narizes ansiosos, dilatados, buscando esse ar todo que nem existe mais. Furacão em cada cômodo.

A cada piscada, a cada breu temporário, um tanto de querer inunda. A bochecha cede território pro sorriso. Sobreviver é a única opção que restou.