11.9.17

É o fim

Não sabia se era o começo do fim ou o meio do fim, mas tinha certeza que era a trilha pro fim. Desde muito cedo, foi entregue aos próprios demônios. O abandono era companhia constante. A solidão nunca o deixou sozinho.

Deitado no colchão duro, lágrimas sem choro regaram o lençol morno. Lembrou daquela viagem, praquela ilha, quando ela imitou a moça caolha pintada no quadro. Naquele instante, a brisa acalentadora do eterno inflou seu peito. Lembrou também quando ela, anos depois, disse que nada é pra sempre. Nostalgia é lâmina feita de ternura e maldade.

Encheu o copo trincado com qualquer veneno e sentiu o bafo frio e gosmento da desesperança sussurrar pensamentos tristes que faziam sentido demais. Sentiu culpa. Sentiu dó. Sentiu o abraço sufocante, onipresente do vazio.

Na cozinha sem vida, tentou lembrar de cada tropeço que o levou até aquela situação. Num desmoronar constante, invisível e quase ruidoso, percebeu o despencar de tudo o que eles tinham vivido. E, ali, tudo parecia muito pouco.

A truculência da distância, os carinhos ocos, o amor burocrático. Respirar ardia. A boca seca do choro engolido, entalado na garganta. Abriu a gaveta dos talheres e se maravilhou com os tamanhos das facas. Correu os dedos por elas até romper o sangue. Com o gosto na língua, pensou no seu próprio fim. Mas até pra isso lhe faltava a coragem.

Ela chegou. Ele deu um abraço mole. Sentiu cheiro de fumaça no cabelo dela. Resolveram pedir um delivery para a janta. E dormiu torto e pequeno no sofá.