Raimundo
Almoço
sozinho todos os dias na praça de alimentação desse shopping suburbano, num
bairro rasgado ao meio, nessa cidade que é outra.
Um casal novo se promete tesão e
eterno. A comida sem gosto escorre rápida pela garganta. A mulher tem perfume
de cigarro e olhos tranquilos.
Mastigo com óculos escuros que é
o único jeito de ser diferente e mais estranho. O conforto da transparência às vezes
me cansa.
Chego em casa com sapatos gastos,
roupas folgadas e testa molhada. Desapareço sob olhos desatentos e carinhosos.
Eu nem moro mais nesse corpo. Não tenho espelho nessa família que nunca foi
minha. Não encontro encaixe nesse mundo que não tem meu formato.
Mas penso em você. Escrevo,
apago. Escrevo, apago. Escrevo. Apago.
Me espera na cama com mil
amantes, foge de mim com a alma em chamas. Hoje a gente queima toda nossa
história e a única lembrança é esse cheiro de fumaça.
O ouvido apita baixo, quase
imperceptível. A cabeça pressiona e fico zonzo. Sinto no pescoço o nó apertado
dessa corda que eu nunca estiquei.
Bato o portão e atravesso devagar
a avenida, de olhos fechados. Mas sei que vou morrer velho, curvado e vazio.
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