Sol, praia & cicatriz
Afundo a cabeça no mar e conto meu tempo pelo fuso
horário das ondas que deslizam sobre. A temperatura despenca pelos segundos. Um
torno invisível comprime meu peito. Cuspo o ar, admiro as bolhas se dissolverem
no teto líquido. Tomo impulso e deixo o oceano me parir.
Finco os pés na areia fofa, que desmorona. Fico imóvel. A
pelve banhada, o vento me seca, o Sol me tosta. Abro os olhos gostando desse
soro salgado que arde e avermelha. Enxergo por essa cortina esburacada de
cabelo colada na testa.
Minha família se derrete na areia. 8 adultos ruidosos,
bêbados e felizes. Meu pai cai da cadeira, os outros riem. Eu rio. Tampo os
ouvidos sem usar os dedos. O lugar é barulhento, o verão zumbindo alto.
Me sinto vazio e completo.
Imagino o mar me engolindo aos poucos. Devorando meus
calcanhares, me aleijando das pernas, regurgitando meu sexo, cuspindo meu
coração, mastigando meu cérebro.
De volta pra casa, tudo é fome, afeto e bronzeado. Escalo
o beliche do quarto pra ler um gibi. Sozinho. No silêncio. O murmúrio
incessante escorre por debaixo da porta, como um ácido quente e fedorento. E me
pergunto se nunca mais naquela vida eu teria um segundo de paz.
Começa a chover e o fuzuê é pra recolher a água que jorra
das telhas, despeja do céu. Se ingerida, a primeira chuva de janeiro faz as
pessoas falarem mais. Como se alguém naquele lugar precisasse disso.
O tempo seca e saio pra rua. Fascinado pelo arco-íris em
volta do Sol, me pergunto se aquele halo não é um veículo alienígena que me
sequestraria dali prum lugar melhor.
Volto frustrado por ainda estar no planeta e atravesso
mudo uma muralha de carinho excessivo e perguntas preocupadas. Uma infelicidade
sem sentido pulsa dentro de mim como um segundo coração, só que mais forte. Vou
pros fundos da casa. Do alto de uma escadinha, me penduro, segurando o corrimão
com apenas uma mão. Com o corpo projetado, vislumbro meu primeiro fim. O bafo
quente da morte parece confortável e possível. Meu lábio inferior treme
enquanto os dedos suados escorregam pelo ferro morno.
- Gê, vem, vem!, tem bolinho de chuva – alguém grita
muito alto, de longe.
Saio desse transe frio e queimo a boca com o doce mais
doce e gostoso que já comi.
Todos esses verões na Praia Grande me formaram e deformaram.
Mergulhei no meu universo interno sem saber nadar.
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