15.3.14

E toda essa vida?

Que acontece meio morta, dentro das casas.

A foda abafada. No quarto do lado. Pro marido não perceber.
A punheta sofrida. No banheiro frio. Pelos e gotas de mijo por todo canto.

Sangue na rua. O asfalto ferve.

A água quente saindo da torneira fria. O videogame ligado, a criança sorrindo. Ela perdeu tão pouco ainda.

E as brigas. As brigas. As brigas.
O murro na parede. O roxo nas falanges.
Ela trancada no quarto. Ela trancada no banheiro. Ela chorando no banheiro. Ela se fodendo no banheiro.

O cachorro monta a cadela no cio. Os dois com a língua pra fora. A casinha dele é de plástico, cinza. O guardinha, ao fundo, ajeita o saco na cueca. A grama já não cresce direito. É terra e poeira no ar.

A TV ligada e a gente esquece quem é. A gente esquece o que tinha pra falar. A gente esquece que tinha que trepar. A gente esquece que tinha que viver.

Dentro do carro, a mão dentro do sutiã. O seio tem aquela textura mais macia de pele. A mão dentro da calcinha. E os dois dedos mais sortudos. Pau duro e o jeans fica apertado. Quem passa por eles, inveja.

No armário, não tem comida. Na geladeira, não tem bebida. Não tem mais nada.

O sol a pino. O corredor desliza no piche preto. A camiseta molhada grudada no corpo. O rosto vermelho e grande.

A louça na pia fede. O gato fede. O tapete fede. A água fede.


Uma parede de som e cheiro. Eu atravesso. E tem toda essa vida aqui fora.