24.1.14

Sol

Te vejo caminhar pela calçada. Você pula os quadrados brancos, só pisa nos pretos. A cada salto, o vestido colorido voa e um pouco da tua bunda aparece. A calcinha rosa.

Me apaixonei pela sua doença à primeira vista.

Essa dança involuntária no pavimento esburacado mais ninguém vê. Gosto de pensar que é só pra mim. Não gosto de pensar que você é bonita e charmosa demais pra mim. Penso mesmo assim.

Mas toda vez você vai embora. Eu queria que você ficasse um pouco. Pra pegar na tua mão e pisar junto contigo no quadradinho branco. Pra contar todas as flores do teu vestido. Pra sentir o teu cheiro.

Mas você vai embora e eu nem te existo.

Todo dia, no mesmo horário, te espero na janela. Me arrumo pra sair na janela. É ridículo e verdadeiro. Eu quero que você me veja, mas sem precisar chamar tua atenção. Eu quero que você preste atenção em mim.

Mas você vai embora e você nem me vê.

E, nesses dias, eu me sinto tão pequeno. Ponho música triste pra tocar.

Hoje você passou comendo umas jujubas mais coloridas que seus vestidos. E devia estar tão entretida nas cores e nos sabores que até pisou num quadrado branco e logo tropeçou num buraco. Fiquei uns segundos vendo a cara linda que você faz quando tá com dor. Depois lembrei que você talvez precisasse de ajuda. Desci num pulo os dois lances de escada. Ao te ver sentada na calçada, quase recuei. Eu era metade medo e uma outra metade vontade.

Você tava de costas pra mim. Sua trança jogada por cima de um ombro. E tua nuca nua chamando meu nariz. Eu já abaixava pra cheirar onde nascem os cabelos quando você levantou. Te estendi a mão. Um toque da tua pele e meu coração subiu do peito pra boca.

Você sorriu pra mim. Foi da minha cara de bobo? Foram das palavras que, agarradas na língua, não saíam pela boca? Ou foi por que você não precisava da minha ajuda?

Você beijou meu rosto e encostou a mão na minha face. Me deu outro sorriso e foi embora. Nem virou pra trás. Ainda bem. Meu olho tava cheio de lágrima a ponto de confundir tuas cores e curvas com os ladrilhos daquela parede.

Comunhão que dura um instante. Carnaval no meu peito.

Joguei a cabeça pra trás pra ver se teu cheiro descia logo das minhas narinas até a alma. Olhando pra cima, o Sol a pino. Toda aquela água não ficou guardada nas pálpebras.