Horizontal
Enquanto você caminha sobre as pedras e os pés afundados
na água fria, eu penso se tua perna está arrepiada, ou se é o corpo inteiro.
O dia tá do jeito que você gosta. O horizonte borrado todo
em branco e cinza. As nuvens escuras escondendo o topo da serra. O vento frio jogando
teu cabelo pra cima dos ombros, embaraçando o que depois vou desatar com mão e com
carinho.
Você deve ter pisado em algo pontiagudo. A cara é de dor,
por um instante. Você leva as mãos ao pé e a onda molha tua calça, a barra
dobrada. Você veste tão bem todos os jeans.
Depois de quase perder completamente o equilíbrio, você olha
pra mim com o sorriso largo. Eu vi teu tropeço. Eu te amo mais frágil. Eu te
amo mais forte.
Você sai mancando do mar. Teu sangue misturado na areia.
Eu levanto, agarro a garrafa de vinho e corro pra te abraçar.
Você diz adorar quando eu tô sem camisa. E, agarrada em
mim, enrola teus dedos nos poucos pelos do meu peito.
Toma. Bebe. Esquece o rasgo na pele.
O sangue continua a verter. Sinto o odor e salivo. Teus
cheiros, todos, são pra mim como pimenta. A vida não teria tanta graça sem.
Te sento na nossa toalha velha e desbotada. Você entorna
a garrafa e vejo o gole descer pela tua garganta. Se eu soubesse pintar, todos
meus quadros seriam sobre o teu perfil.
Você deita e eu imagino tuas costas sentindo as diferentes
texturas da praia. Teu pé apoiado no meu joelho, lavo com o resto da água que
sobrou na garrafa plástica. Você ri alto, estirada ali, tentando não
desperdiçar uma gota do vinho.
Não sei mais o que fazer. Você estende o braço. Entendo
no teu olhar e esterilizo o machucado com alguma uva chilena.
Começo a lamber a sola do teu pé, afastando com a língua
o que é areia e chupando o que é sangue. Com o gargalo da garrafa quase todo
enfiado na boca, você solta um gemido.
Se não amasse teu jeito, eu provavelmente não saberia
amar mais nada.
Escorrego a mão por dentro da tua coxa. Você afasta.
Levanta a cabeça, mordendo os beiços, sorrindo. Soltando uma gargalhada ao ver
minha cara.
Me entrega o que sobrou de álcool e avisa que o último
gole é meu. Mal termino e você rouba a garrafa verde de mim. Quebra na primeira
pedra que encontra e fura a palma da minha mão.
“É pra você nunca mais esquecer esse dia.”
Como se precisasse.
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