23.6.14

Horizontal

Enquanto você caminha sobre as pedras e os pés afundados na água fria, eu penso se tua perna está arrepiada, ou se é o corpo inteiro.

O dia tá do jeito que você gosta. O horizonte borrado todo em branco e cinza. As nuvens escuras escondendo o topo da serra. O vento frio jogando teu cabelo pra cima dos ombros, embaraçando o que depois vou desatar com mão e com carinho.

Você deve ter pisado em algo pontiagudo. A cara é de dor, por um instante. Você leva as mãos ao pé e a onda molha tua calça, a barra dobrada. Você veste tão bem todos os jeans.

Depois de quase perder completamente o equilíbrio, você olha pra mim com o sorriso largo. Eu vi teu tropeço. Eu te amo mais frágil. Eu te amo mais forte.

Você sai mancando do mar. Teu sangue misturado na areia. Eu levanto, agarro a garrafa de vinho e corro pra te abraçar.

Você diz adorar quando eu tô sem camisa. E, agarrada em mim, enrola teus dedos nos poucos pelos do meu peito.

Toma. Bebe. Esquece o rasgo na pele.

O sangue continua a verter. Sinto o odor e salivo. Teus cheiros, todos, são pra mim como pimenta. A vida não teria tanta graça sem.

Te sento na nossa toalha velha e desbotada. Você entorna a garrafa e vejo o gole descer pela tua garganta. Se eu soubesse pintar, todos meus quadros seriam sobre o teu perfil.

Você deita e eu imagino tuas costas sentindo as diferentes texturas da praia. Teu pé apoiado no meu joelho, lavo com o resto da água que sobrou na garrafa plástica. Você ri alto, estirada ali, tentando não desperdiçar uma gota do vinho.

Não sei mais o que fazer. Você estende o braço. Entendo no teu olhar e esterilizo o machucado com alguma uva chilena.

Começo a lamber a sola do teu pé, afastando com a língua o que é areia e chupando o que é sangue. Com o gargalo da garrafa quase todo enfiado na boca, você solta um gemido.

Se não amasse teu jeito, eu provavelmente não saberia amar mais nada.

Escorrego a mão por dentro da tua coxa. Você afasta. Levanta a cabeça, mordendo os beiços, sorrindo. Soltando uma gargalhada ao ver minha cara.

Me entrega o que sobrou de álcool e avisa que o último gole é meu. Mal termino e você rouba a garrafa verde de mim. Quebra na primeira pedra que encontra e fura a palma da minha mão.

“É pra você nunca mais esquecer esse dia.”


Como se precisasse.