24.12.14

23/12/2002

- Gê, o Fê morreu.
- Hahahaha como assim, Márcio? Vai se fuder, para, cara.
- É verdade.

Desligo sem falar mais nada.

...
...

...

Ligo de volta:
- Márcio, cê tá falando sério? É brincadeira, né?
- É sério, ele morreu. Os pais dele pediram pra eu ligar pra todo mundo.

Eram umas 11 da manhã. Ainda teria que trabalhar até meio-dia. 24 de dezembro. Ele tinha morrido ontem. Só fiquei sabendo quase que um dia inteiro depois.

Me debruço na mesa. Chorei com a testa colada na fórmica. Tinha gente ainda chegando pra trabalhar. Ninguém entendeu o que acontecia. Eu só queria ir embora.

Vida que consola o covarde e castiga os selvagens.

Preferia ter morrido no lugar dele. Esse pensamento, vontade, me perseguiu por muito tempo. Era minha única solução pra não sentir dor.

Queria ter sido o primeiro a contar pra Bruna. Contaram antes. Meu egoísmo na comiseração.

Não tenho religião. Desci no térreo, atravessei a rua e entrei na igreja vazia. Chorei mais e me senti pior.

Voltei pra pegar minhas coisas e ir embora sem falar nada. Os colegas queriam entender. Não tinha mais o que entender.

No velório, no dia seguinte, 25, abracei a Jane. Senti ela escapando pelos meus braços, sem emoção, sem graça e sem ternura. Não era ela.

Evitei fazer contato visual com todo mundo. Até que vi o Ricardo. E nos demos o abraço mais triste, desesperado e contrariado.

Olhei pro caixão e consegui me manter firme. No caminho, tive que consolar um inoportuno, meu último instante com o Fernando não seria perfeito ou ideal, apesar da minha vontade de tentar guardar aquilo da maneira menos dolorosa possível.

Uma espécie de véu cobria seu rosto. E tudo aquilo era tão estranho. Sem pensar, beijei sua testa fria. Enquanto descia minha boca, vi sua mão ainda tensa, retorcida.

Ele morreu no desespero.

Naquele momento, percebi que eu tinha morrido um tanto.

Desde então, são poucos os dias que não penso nele. No começo, com tristeza ou até com raiva, pela falta de cuidado consigo. Depois, com uma saudade pura e doída.

Hoje me restam só as memórias, fotos e vídeos daquilo que foi uma vida bem boa que todos nós tivemos com ele.

Perdi um dos meus maiores amigos. Me perdi em auto-piedade e a vida e a morte nunca mais foram as mesmas.