16.9.20

LUGAR SEGURO

A gente tinha nosso esconderijo. Aquele lugar seguro. Num equilíbrio sutil e insustentável, mas um equilíbrio. No silêncio do vácuo. No conforto da solidão.

Com fogo e determinação, com egoísmo e fome de fim, a chama forte tomou nossos corações. Agora, nossos quadris sedentos e esquálidos fazem a dança da morte. Uma batida no bumbo, uma batida na caixa, duas batidas no bumbo, uma batida na caixa. Não adianta, não vai chover.

A fuligem estrangula nossos pulmões com suas mãos de pó. A secura de tudo se transforma nessa bruma amarela. Ela chega bem a tempo pra assistir a procissão. Todas nossas opiniões, fortes e bem fundamentadas, desfilam aos gritos no asfalto que derrete. Temos muito orgulho delas. Foram elas que transformaram o fim em espetáculo.

Olha essa labareda, mais alta que um arranha-céu. Olha esse fóssil, meio vivo, meio tostado. A floresta virou uma enorme sala de troféus de caça. Só não tivemos a opção de escolher qual pedaço gostaríamos de empalhar.

Os chifres retorcidos que colocamos nas cabeças, pra guerra e pra coragem, se esfarelaram. O cabo do machado também queimou. Usamos a gasolina da motosserra pra alastrar o fogo. O pouco que resta pra destruir vai ter que ser feito com nossas mãos nuas.

Mas, antes do crepúsculo, vem esse horizonte laranja. Belo e desesperador. Vamos respirar o ar quente e admirar nossa última obra-prima. Não merecemos a homenagem, mas agora nos sobrou tão pouco.

Você me deu uma casa. Eu te dei um fim. Te estudei o suficiente pra te conhecer e explorar. Fiz com gana, com gosto, com desdém e, talvez, até com ódio. Mas eu sou o escorpião nas costas do sapo. Nosso último beijo é de fogo.

Toda água evaporou. Só nosso sangue pode deter a queimada. Um último e justo sacrifício que a terra exige.