19.11.12

Escalada

Enquanto a tristeza profunda invade o coração e a realidade confirma a resignação, uma voadora no peito atinge a alma.

Não ter sexo por dois dias. Não ter fodido o fim de semana inteiro. Não ter cheiro, boca, toque, suor, gozo e porra. Não ter nada disso faz despertar sentimentos malditos.

Naquela escalada em que não se vê o cume, você despenca vinte metros.

Ali, dependurado, pensa: o amor é essa corda nova e já tão esgarçada?

A garganta que já te devorou com tesão e ganas tantas vezes hoje é só cuspe e palavrão.

Escalando teu sexo, tua pele, teus seios e peito, teu pescoço, tua orelha e teus lábios, uma barba cresce roçando tua nuca.

Lá embaixo, naquela planície árida, devastada, o Coração Selvagem ruge.

Faminto demais, ele já vagou pela terra inteira, mas .É.VOCÊ.QUE.ELE.QUER. É você que hoje ele vai devorar. Não de uma só vez. Ele claramente vai te matar aos poucos.

Enquanto te despedaça, ele canta “tome um refrigerante, coma um cachorro-quente”. E, num outro momento, logo depois, logo menos, ele vai pedir que você enfie o refrigerante e o cachorro-quente no rabo.

Aquela loucura toda, que te espera na queda, começa a fazer sentido na sua cabeça. Você corta o último fio que te prende à corda.

Durante o mergulho, você pensa: Belchior estava mesmo certo, a vida é das coisas simples.