12.8.09

Cachorro

O cachorro saiu em disparada. Enquanto corria, sua perna esquerda traseira parecia trepidar. Como se tivesse sido ejetada, logo ela voou longe. E veio na minha direção. Consegui esquivar. Carregava um saco e nele a guardei. Com apenas 3 patas, ele continuava, e acelerava. Só depois percebi, lá no final da rua de velhos eucaliptos, uma cadela. A pata dianteira esquerda também se desprendeu. Só os membros direitos estavam direitos. Numa agilidade que impressiona, ele alcançou a cachorra antes de todos os outros vira-latas do bairro, que não são poucos. Vira-latas que podiam contar com todas as partes de seus esqueletos, diferente dele. Como vencedor, recebeu a recompensa: transariam até explodir.

Depois dessa interrupção, me voltei a ela. Tentava transpor aquele muro de tensão, ruim, que construímos no meio do banco em que estávamos sentados. Era só nosso segundo encontro e a gente já parecia aqueles casais de 50 anos que entram num restaurante, sentam, comem e se matam sem dizer uma palavra.

Com a pata do cachorro, fiz um carinho, bem de leve, delicado, no rosto dela. Ela me afastou com raiva. Ela tem senso de humor, só que ele ainda não tinha acordado naquele dia. Não adiantava falar, nem podia olhar pra ela. Ia dar merda. Mais. Não sabia o que fazer.

Pra nossa sorte, talvez mais pra minha sorte, o cachorro voltou, passou por nós, voltou, me cheirou e rosnou. Entendi que queria a perna de volta. A outra ele não deve ter encontrado. Encaixei-a na boca dele. E com apenas dois membros funcionais e um estepe entre os dentes, foi embora. Por algum motivo, isso a fez sorrir. Cachorros de duas patas devem ser engraçados pra ela.

Sabia o que dizer, lembrei do dia que fez ondas na rua. A cara dela desanuviou. O pânico, dependendo da medida, pode unir dois seres. A rua ondulava só pra ela, pra mim continuava um tapete preto, esburacado pelas raízes das árvores que insistem em viver na cidade. Naquele passado, lembro dela agarrar a minha mão muito forte, como o lugar estava deserto, percebi que era mais um Episódio. Não abracei. Não reconfortei. Só enfrentei as ondas dela, junto dela. Foi aquele dia que nos apaixonamos.

Hoje não. Hoje era um dia ruim. Pra ela, pra mim e pras patas do cachorro. Depois que anoitecer, o único que vai dormir feliz é o cachorro.