O Sabor Do Vento
O bafejo quente de um dia silencioso. Em cada minuto cabe
uma hora. A árvore balança seca. É daqueles dias que você acha que sua vida vai
mudar. Mas tudo que respira se curva e fraqueja. Num horizonte claustrofóbico, o
refúgio possível. Conhecido e incômodo.
No antebraço, o melado seco do suor. A abelha sem
zumbido, determinada, onipresente. Te orbita como se fosse todas as 82 luas de
Saturno. Pequena e determinada. Quieta e determinada. Você estende a mão. Ela
te explora como um jipe teleguiado. E voa. Decepcionada. Superfície estéril de
lugar nenhum.
O cheiro de asfalto derretendo. As pessoas sem força pra
nada e com vontade de tudo. Os pregos caem da parede. Os azulejos se descolam
lentamente. A música ecoa no ritmo dos ponteiros do relógio. A vida se liquefaz
aos poucos, feito vitral de catedral antiga.
Por que o lugar cresce como se o chão desmoronasse? Por
que tudo parece mais alto nos labirintos dos ouvidos? É assim que o coração
bate? A secura na língua e nos olhos. As palavras se jogam da boca como se
fosse beira de penhasco.
Agora você pode tudo. Mas quer nada. Viver foi te
moldando pra quase não existir. E esse choro é mudo, cresce e murcha. Cresce e murcha.
Ninguém nunca te prometeu coisa alguma. Mesmo assim, muito te foi tirado.
Pode ser que escureça, a não ser que teus olhos iluminem
a rua. Você pisca e a fé treme.
O livro mofando. Tem plástico e garrafa no jardim morto
da praça. A cadela dormindo com as patas pra cima. Nada parece vivo. Nada
parece real. Nada é do jeito que deveria ser.
Palavras atravessam o silêncio como pequenas flechas. Esse
corpo quieto e infinito sabe que já venceu a batalha. E, em sua mudez, espera
pela serenidade imensurável.
Ela segura minha língua e eu sinto a textura áspera e
familiar desses dedos. O gemido dela na minha boca. O hálito esfriou enquanto
eu crescia.
No teto das pálpebras, nenhuma estrela cintila. A vontade
de me entregar pra escuridão e deixar o nada me tragar.
Acordo com ela nua e desesperada, massageando meu
peito. Me despeço com a cabeça. Rio e mando beijo. Num arco rápido e forte, um
tapa bem dado na cara. Levanto sufocando e vejo um raio de luz se rastejando sob
a persiana.
A escuridão acabou.