5.12.16

Legado nenhum

O mosquito agoniza estrebuchando no assoalho do trem, que imita granito de um azul inexistente na natureza. Tem um saco médio de ração na mochila e a lombar apita intermitente. Não é ritmada o suficiente pra fazer esquecer da dor ou, pelo menos, acostumar com ela.

Do lado de fora da estação, um enxame de ciclistas noturnos. No breu, parecem grandes vagalumes azuis ainda não catalogados pela ciência. Os carros passam zunindo, inseticidas feitos de lata e pressa.

É um dezembro atípico: noites frias e dias garoentos, tingindo com melancolia o mês das festividades. Uma ardência incômoda rasteja debaixo da minha pele.

Na rua de casa, o vizinho canta desafinado e alto. O coral de risadas parece alheio a esse massacre musical. Invejo a ebriedade deles. Entro em casa tropeçando, arranco os sapatos, bebo vinho direto do gargalo de uma garrafa velha e dissolvo no sofá.

Não faz nem uma semana do acidente e já tem sangue nas nossas bocas e tesão nas nossas partes.


Deveríamos ser um Bartleby ainda mais empedernido. De preferência, já no embrião. O desejo não é a invisibilidade, é não existir, completamente.