20.5.18

Trêmulo

Me sinto melhor nesses dias frios. O cheiro de mato queimado. O ar seco. A chuva fina. A ponta do nariz congelando. O céu limpo e azul de dia. A noite é esse teto perfurado por cintilações.

Talvez seja porque nasci nessa época. Algum tipo de nostalgia da infância, esse desespero de evitar o abraço frio e eterno da morte.

Gosto de usar o capuz. Da previsão do tempo, como se uma nova frente fria fosse tragédia. Gosto das mãos nos bolsos. Das tuas mãos no meu bolso. O hálito de conhaque. O rosto vermelho do bêbado que grita comigo na rua.

No frio, as coisas parecem mais rasteiras. Mais terrestres. Menos descontroláveis. Sinto todas velocidades diminuindo. Algumas vontades adormecem.

Gosto que você também ama o frio. Gosto da tua silhueta e das curvas do teu corpo com a lareira estalando ao fundo. Você é bonita mesmo. Tua boca tem gosto de vinho, teus lábios estão roxos e macios. Só de entrar na sala e te ver nua, já sorrio.

A garrafa tá acabando. Você vira o copo e deixa transbordar o gole. Dois rios rápidos escorrem por cada lado do teu pescoço. O bico do teu seio endurece no toque. Você quebra a taça na borda da mesa e, calmamente, diz pra mim:

- Vamos se cortar e chupar nosso sangue, um do corpo do outro.

Talvez nem todas vontades adormeçam com o frio.