Motoboy no chão
Motoboy no chão. Sangue no asfalto. Cobertor de alumínio.
Trânsito para. A garoa não.
Novo-rico fugiu no importado. Agora chora pro seu
advogado, indicado pelo seu melhor amigo e amante da sua esposa, pra livrar a
barra. Semana que vem, nem o jornal tem mais interesse na notícia.
Talvez desse pra salvar o infeliz.
Chora mulher. Chora mãe. Chora filha mais velha e filho
mais novo. Chora patrão, pensando na indenização.
A mórbida curiosidade do paulistano, desacelera o que já
tá parado só pra ver o corpo estendido no chão. E encher o peito de uma
estranha satisfação por estar vivo. Ainda.
À noite tem cinema. É filme 3D. Com pipoca tamanho
família. O colesterol quase salta na sua cara. O filme é cheio de efeito
especial...
Passa caminhão buzinando e jogando vento preto na cara do
curioso.
A CET meio que tenta organizar o caos. A vida segue.
Menos pro motoboy.
“Todo dia é um. Eles morre como mosca”, filosofa o
taxista.
O trem passa. O trem volta. O rio fede. Fede menos quando
tá frio.
Do trem, operando em velocidade reduzida, a mulher pensa,
sobre o cadáver do motoboy, na poesia triste de morrer num dia tão feio.
Algum alento na maldade que existe em todos nós.
A pirâmide do Pró-Vida de testemunha. É uma cidade
estranha. Aqui tem tudo. As pessoas vêem só o que quer.
É uma geração estranha. Que prefere ficar sozinha a pedir
perdão. Ou perdoar.
O egoísmo e o orgulho movem todos.
Se salve antes. Crianças e mulheres primeiro? Nunca!
A chuva aperta. A mancha de sangue teima em não diluir e
correr pro rio mais sujo do mundo.
A gente joga toda nossa sujeira nele: garrafa pet, sofá,
vergonha de ser isso que a gente é.