27.4.12

Motoboy no chão


Motoboy no chão. Sangue no asfalto. Cobertor de alumínio.

Trânsito para. A garoa não.

Novo-rico fugiu no importado. Agora chora pro seu advogado, indicado pelo seu melhor amigo e amante da sua esposa, pra livrar a barra. Semana que vem, nem o jornal tem mais interesse na notícia.

Talvez desse pra salvar o infeliz.

Chora mulher. Chora mãe. Chora filha mais velha e filho mais novo. Chora patrão, pensando na indenização.

A mórbida curiosidade do paulistano, desacelera o que já tá parado só pra ver o corpo estendido no chão. E encher o peito de uma estranha satisfação por estar vivo. Ainda.

À noite tem cinema. É filme 3D. Com pipoca tamanho família. O colesterol quase salta na sua cara. O filme é cheio de efeito especial...

Passa caminhão buzinando e jogando vento preto na cara do curioso.

A CET meio que tenta organizar o caos. A vida segue. Menos pro motoboy.

“Todo dia é um. Eles morre como mosca”, filosofa o taxista.

O trem passa. O trem volta. O rio fede. Fede menos quando tá frio.

Do trem, operando em velocidade reduzida, a mulher pensa, sobre o cadáver do motoboy, na poesia triste de morrer num dia tão feio.

Algum alento na maldade que existe em todos nós.

A pirâmide do Pró-Vida de testemunha. É uma cidade estranha. Aqui tem tudo. As pessoas vêem só o que quer.

É uma geração estranha. Que prefere ficar sozinha a pedir perdão. Ou perdoar.

O egoísmo e o orgulho movem todos.

Se salve antes. Crianças e mulheres primeiro? Nunca!

A chuva aperta. A mancha de sangue teima em não diluir e correr pro rio mais sujo do mundo.

A gente joga toda nossa sujeira nele: garrafa pet, sofá, vergonha de ser isso que a gente é.