10.3.06

Quina de Ases

Tudo o que você precisa é de uma arma. Uma arma com o cano ainda quente: assim você tem coragem de disparar de novo. É só pensar que uma bala acabou de ser direcionada contra outra pessoa. É tudo carne com cérebro. A grande maioria, sem cérebro. Um amontoado de formigas procurando sentido na rotina estúpida. Se eu fosse formiga, teria como deus um pé grande e impiedoso que destrói formigueiros infiéis. Uma bota sete léguas.

Meu cérebro voa sem que eu queira. De volta ao cassino clandestino escondido no bairro nobre no meio de São Paulo, foi a discrição que me trouxe até esse paraíso entupido daquela deliciosa neblina do proibido. E é de mão dada com a discrição que eu vou continuar. Ela vai dançar comigo. Seja disfarçando minhas caras quando tiver uma estatisticamente impossível quina de Ases, seja quando eu atirar no saco desse cara que acabou de descobrir que eu tenho um baralho idêntico ao que se usa essa noite – até com as marcas que o filho da puta do dono desse “clube” gosta de fazer pra ler o que a gente tem na mão, grudado na mesa acima da minha perna esquerda.

Esse escroto de cavanhaque é um escroto inteligente. Cavanhaque: que merda é essa? Você quer deixar explícito que é um safado. Prefiro ter a cara limpa e sem pêlo e deixar a pessoa perceber que sou um sacana só quando conversar comigo. Ok, ele sabe que eu tenho um outro baralho. Mas será que ele sabe que eu tenho um celular no modo silencioso grudado acima da minha perna direita? E que basta apertar o atalho 666 pra me trazerem um berro frio? Frio naquelas, vou pedir pra darem uns tiros pro ar antes. Não que eu não tenha coragem de atirar em alguém. Já matei com tiro no peito, na testa, na perna acertando a femural. Mas no saco nunca. Fato é: eu não posso matar esse cara porque senão nunca mais volto aqui. É meu ganha pão. Armas, drogas, prostituição. Não quero ser preso por isso. Não sou trafica novo-rico. Sou um demônio mais inteligente que a média da bandidagem.

O Cavanhaque descobriu que sou ladrão. Mas será que ele descobre que sou um ladrão armado? O tiro no saco é só um cartão amarelo. Não quero expulsá-lo. Vou dar um tiro no saco também porque ele já deve ter comido um monte de coisa por causa dessa porra de cavanhaque. E eu detesto cavanhaque.

Pronto. A arma chegou. Pensar faz o tempo passar mais rápido. É divertido. E no meu ramo, fundamental pra sobrevivência. É darwiniano: hoje não é o mais apto que sobrevive, é o que tem a inteligência adaptável. É, isso mesmo, filosofia barata de um marginal. Viva com um barulho desses. Hoje em dia até marginal tem acesso à informação: o milagre da Internet. É a época em que todo mundo tem uma opinião forte sobre tudo. E a minha é essa: esse cara merece um tiro no saco. Na real, é um julgamento. Mas foda-se. Todo mundo se confunde mesmo.

Deixa eu pensar: ele nunca mais vai poder ter filho. Não sei o que a seleção natural pensa sobre o assunto, mas, se ela não gosta de cretinos caminhando sobre a Terra, vai concordar comigo. É a hora. Vai dedo. Vai gatilho. Vai bala.

Merda. Acertei o carinha gente boa do lado. Dança comigo discrição, dança.

1 Comments:

At 5:12 PM, Anonymous Anônimo said...

ahá! Então vc tem esse blog desde o dia 10 e não me contou! Safado.

 

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